A Obra

 

 

   O “Auto da Barca do Inferno” fala do juízo final católico de forma satírica e com forte apelo moral.

    Tem como cenário um cais, onde estão ancoradas duas barcas: Uma que leva ao Paraíso, tendo o Anjo como comandante e outra que leva ao Inferno, tendo o Diabo como comandante e trazendo consigo um companheiro.

    

 Fidalgo, Onzeneiro, Parvo, Sapateiro, Frade, Brísida Vaz, Judeu, Corregedor e Procurador, Enforcado e Os Quatro Cavaleiros são os personagens que são julgados e condenados aos seus destinos pelo Anjo e pelo Diabo.

    

Trazendo consigo algum objeto de seu pecado enquanto em vida, primeiramente aproximam-se do Diabo, perguntam para onde vai a barca e ao saber que vai para o inferno ficam horrorizados e se dizem merecedores do Céu. Aproximam-se então do Anjo que os condena ao inferno por seus pecados.

      O Parvo era considerado inocente, não tinha malícia em seus atos. Assim, por ter uma alma pura, é conduzido ao Paraíso. Os Quatro Cavaleiros lutaram contra os mouros e a favor da fé católica, portanto seriam também dignos da salvação.

    O Judeu chega acompanhado de um bode e não entra em nenhuma das barcas. O Diabo tem a desculpa de que não transporta bodes e então o aconselha a procurar outra barca. Quando procura o Anjo, este afirma que não poderá entrar em sua barca, pois não seguia os dogmas cristãos.

    Todos os outros personagens são conduzidos ao Inferno, pois não são capazes de se desprenderem de seus pecados em vida. Por exemplo: O Frade traz uma espada de esgrima e uma amante que simbolizam seus pecados. Ele acredita que seus pecados deveriam ser perdoados, uma vez que ele estava a serviço da fé. Porém é condenado por seu falso moralismo religioso.

    O "Auto da Barca do Inferno" faz parte de uma trilogia (Autos da Barca "da Glória", "do Inferno" e "do Purgatório").

 

     É escrito em versos de sete sílabas poéticas e obedecem ao esquema de rimas ABBAACCA, como se pode ver na fala no Onzeneiro:

 

 "Olá, ó demo barqueiro! (A)

 

1         2         3       4       5       6        7

Sa / beis / vós / no / que / me / fun / do (B)
Quero lá tornar ao mundo (B)
E trarei o meu dinheiro (A)
Aqueloutro marinheiro (A)
Porque me vê vir sem nada (C)
Dá-me tanta borregada (C)
Como arrais lá do barreiro! (A)

 

      Através das falas os personagens apresentam traços que denunciam sua condição social.

    Na obra, podemos falar de dois tipos de personagens – alegóricos e tipo.

    No primeiro grupo inserem-se o Anjo e o Diabo, pois representam a visão maniqueísta: o Bem e o Mal, o Céu e o Inferno.   

 

No segundo grupo está inserido o restante dos personagens. São chamados de tipos, pois ilustram a sociedade da época, com suas aspirações, seus vícios e seus dramas.

    Deste modo, Gil Vicente conseguiu retratar um pouco dos vícios da sociedade da época, tais como a falta de fé e de valores morais e religiosos e a não-aplicação da justiça.